sábado, 16 de outubro de 2010

Meus 50 e poucos anos


Poema de Sergio Antunes em homenagem ao município de Lins (SP)



Ah que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida
E com licença poética,
Saudades da Casa Iyda
E da Senise, Ipiranga,
Das ruas com pés de manga,
Dos sinos da Catedral,
Do presépio do Natal,
Daquele tempo em que havia
O Iseo e o Fujimia,
Do Francisquinho, o anão,
Do Cine São Sebastião,
Do Fiori Gigliotti,
De dançar um fox trote,
Com Toninho e seu Conjunto,
Dr. Dionísio e De Cunto,
E do Horto Florestal
E da voz do Juvenal,
Da Cerâmica Moderna,
Daquela menina interna,
E dos tempos da caserna
Do antigo 4º BC
E do Posto Paiquerê
Da lambreta do Iberê,
Da velha Rodoviária,
Da Estação Ferroviária,
Situada, se me lembro,
Bem na 7 de Setembro,
Dos padres Kondó e Rebouças
E do Empório das Louças,
Da Esquina do Pecado,
Que saudades do passado
Que os anos não trazem mais,
De quando eu era rapaz,
À sombra dos flamboyants,
Debaixo dos cafezais.
Ah que saudades que eu tenho
Da dona Aurora Ariano,
Do escrete atleticano,
Do Gigante de Madeira,
À sombra das bananeiras,
Que os tempos não voltam mais,
Dos intercolegiais,
Do Colégio Americano
Versus o Salesiano,
E do Padre Ariento,
Da Farmácia Drogalins,
E dos footings nos jardins,
Que saudades do jornal
O Progresso e da Cibral,
Dos aviões da Real,
À sombra de uma Junqueira,
Naquelas tardes fagueiras,
Rubiácea em construção,
21 sem calçadão.
E do terreno da feira
E das coxinhas do Sam,
E do seu Jorge Simeira,
Dono da Arapuã,
Saudades dos gonococus,
Do restaurante Marrocos,
Patronato, Sanatório,
Do velho Conservatório,
Saudades da minha avó
Do Nelsinho e do Jacó
E da Fábrica de Leques
Do meu tempo de moleque,
E do Clube Japonês,
Da ZYB3,
Que os tempos não voltam mais,
Nem o Circo do Nhô Pai,
Ou as tardes de matinê,
Eu namorando você,
À sombra das andorinhas,
A Casa da Beiradinha,
Também do Dr. Furquim,
Do Bispo Dom Gelain,
Saudades de quase tudo
De Lins, porém, sobretudo,
Muitas saudades de mim.

Espera

Te esperei no envelope
ou no telefone.
Te esperei de manhã.

Esperei, esperei
e te esperei tanto
que até comprei um guarda-chuva...
para te esperar melhor.

O tempo passou,
o guarda-chuva cresceu
e eu me esqueci da espera.

Quando te vi, outro dia,
nem me lembrei da esperança
e te cumprimentei
como se fosse a primeira vez.

E como a primeira vez
me apaixonei de novo
e me pus a te esperar
como se tivesse sido feito para isso.

Amanhã vou comprar um guarda-chuva
que não cresça tanto.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Platão, Tiriricas e Cacarecos

(Sergio Antunes)

Tenho visto a polêmica a respeito da eleição do Tiririca.
Trata-se de um palhaço profissional e semi-analfabeto que ganhou as eleições para deputado federal de São Paulo com mais de um milhão e trezentos mil votos.
Entretanto, para horror de todos aqueles que algum dia acharam que eu sou um sujeito sensato, nem sei se existe ao menos um que ache isso, eu penso que a eleição do Tiririca é fato absolutamente normal.
Seria o Tiririca pior que aquele político ladrão, nem vou falar o nome dele porque não precisa? Afinal, o leitor só não sabe a que político ladrão eu me refiro porque são vários. Pois é, a eleição do Tiririca é pior do que a eleição desses outros bacanas, que aparecem de terno e gravata na televisão, colarinho imaculadamente branco e cabelo preto como as asas da graúna?
É, um erro não justifica o outro, obtemperariam alguns, falando no linguajar, aliás, daquele deputado corrupto.
Mas a questão é que o Congresso representa o povo. E ele, o povo, não é feito de tiriricas? Não é esse o povo tão interessado em futebol que bate em jogador quando o seu time perde, mas que nem se lembra em quem votou nas últimas eleições? Não são todos uns tiriricas, com a diferença que, sendo semi-analfabetos, são apenas palhaços amadores?
Ou o povo só é bom quando vota nos nossos candidatos?
Enfim, Tiririca só foi eleito porque é o povo brasileiro a cara dele, cuspido e escarrado. Para isso é que serve a democracia.
Platão, o filósofo grego, na sua República idealizou uma cidade em que prevaleceria apenas a racionalidade. Nela, seria abolido o sistema dos mais votados serem os governantes diante da constatação de que nem sempre os mais votados são os mais capazes. Por isso, apenas os sábios votariam e seriam votados.
A experiência mais próxima da República de Platão aqui no Brasil é a Academia Brasileira de Letras. Só votam os imortais, os melhores escritores, os sábios da nossa sociedade. E elegem Getúlio Vargas, Lira Tavares, ex-Ministro da Guerra, que assinava Adelita e, recentemente, Marco Maciel, que derrotou Fernando Morais. Tiriricas da literatura.
Winston Churchill dizia que a democracia é o pior regime... depois de todos os outros.
Ou seja, deixem o Tiririca em paz, junto com o Cacareco, com Enéas, que Deus o tenha e com todos os exóticos que já foram um dia votados. Ninguém sabe com certeza se não pode dar certo.
E certo mesmo, absolutamente certo, é que o que vem depois da democracia é muito pior.

Um pouco de Política

Por Sergio Antunes


Fernando Morais era Secretário da Cultura de São Paulo. Reuniu na Secretaria, com a concordância do Governador Quércia, o que podia ter de melhor em cada área. Entre outros, Arrigo Barnabé, Zuza Homem de Mello e Eduardo Gudin, na música, Claudio Khans, no cinema, Cláudio Cury e Mario Prata, no teatro, André Singer, para a relação com a Universidade, Pedro Paulo Senna Madureira, na Literatura, Mona Dorf, Luciano Martins e Milton Young, no jornalismo, Abelardo Blanco, nos audiovisuais, Glauco Pinto de Moraes, nas artes plásticas, Ricardo Ohtake, no Museu da Imagem e do Som, Renato Janine Ribeiro, da Filosofia e Pedro Braz, para as oficinas culturais.

Era uma fauna que fervia e borbulhava de idéias.

Na campanha eleitoral, Luiz Antonio Fleury, ex Secretário da Segurança, Procurador de Justiça e ex policial militar, se candidatava a Governador. Reuniu a turma num grande salão e expôs suas idéias. Alguém tem alguma pergunta? Mario Prata tinha. "Vai poder fumar maconha?"

De tarde, na hora do happy hour, tinha que ter ki-suco. Engarrafado, pelo menos, por oito anos. "Podia me servir uma lágrima?", insistia Pedro Paulo enrolado na sua echarpe londrina.

Havia viagens pelo interior. Seis, às vezes sete cidades num só dia, três ou quatro dias em determinadas semanas. O Prefeito recebia a ilustre comitiva, eu, o Fernando e o Tenente Grion, hoje Coronel Grion, para nossa completa segurança. "Na cidade anterior", explicava Fernando para a platéia atenta, "na cidade anterior, Piacatu". E, na dúvida, se socorria: "não é Piacatu, Sergio?" Aí o Assessor Parlamentar, que era eu, acudia professoral. "Não, Secretário, Piacatu é a próxima cidade". Ao que o Prefeito, até então calado, punha fim na questão: "Secretário, Piacatu é aqui". E foi aqui mesmo que passei a ser o Assessor pra lamentar.

Outra vez em Getulina, fica perto de Lins, o presidente do partido, gostava de discursar o danado, que Deus o tenha, "tomou da palavra", é assim que eles usam fazer, tomou da palavra e fez uma longa dissertação. "Dizem que a Secretaria mais importante é a da Fazenda, que detém os cofres do Estado. Outros dizem que é a da Educação, que ensina o ABC a nossos filhos, o futuro da Pátria..." E foi desfiando uma a uma as secretarias de estado para finalmente sentenciar: "mas eu, homem do interior, de mãos calejadas pelo cabo da enxada, sei que a secretaria mais importante é a Secretaria da Agricultura". Acho que ele era meio surdo.
No interior, de novo, uma cidadezinha que nem do nome eu lembro, de tão pequenininha. Não era para visitar o prefeito, que era adversário. Fomos a casa do presidente da câmara, o guarda noturno do município, para tomar um cafezinho, doce e morno, como costuma ser servido na roça.

O prefeito descobriu e mandou chamar na prefeitura, uma construção baixa e torta, parecia a casa do porquinho da história do lobo mau.

Na prefeitura, no gabinete do prefeito, um homem gordo e simples. Olha", diz o alcaide, "nunca recebi a visita de um Secretário. Por isso, nem sei o que pedir". Deu um tempo, olhando maravilhado para a delegação, Fernando à frente, com barba e charuto, quando teve uma idéia: "Senhor Secretário, não sei o que pedir. Mas dentadura, trator e zóio de vidro, pode mandar que tem serventia".

Sergio Antunes é poeta e escritor
Contato:
sergioantunes@ig.com.br

Deu no "Primeiro Programa"




Novo livro de Sergio Antunes
Editora: MG Editorial
352 páginas



VERSÁTIL
é uma antologia da obra do premiado escritor Sergio Antunes, com poemas e crônicas editados por capítulos, segundo o conteúdo dos textos.

VERSÁTIL tem prefácio de Mario Prata e apresentação de Fernando Morais.
 
Poeta e cronista, Sergio Antunes já ganhou prêmios como o 1º Concurso de Poesia da Folha Feminina e o 1º Concurso de Poesia de Piracicaba; tem livro (O relógio da Sala) premiado pelo MEC e incluído no Programa Viagem Cultural; música vencedora do Festival Feira Permanente de Música Popular Brasileira da TV Tupi (Ode a Gagarin em Poema Sideral); e menção honrosa em Concurso de Poesia de São Bernardo do Campo.

É autor dos poemas da novela Estúpido Cupido (Rede Globo).

Escreveu para as revistas Veja, Cláudia, Capricho e Saque. Foi cronista do jornal O Estado de S.Paulo.

Livros de sua autoria: 24 poemas diversos e 1 poeminha de amor (Editora Independente);Era um dia assim, Primeira vez eA Casa da Infância (Massao Ohno Editor);eRelógio da Sala (Editora Salesiana). Também participou da antologia O Mito da Infância Feliz (Summus Editorial) e da Antologia da Nova Poesia Brasileira (Editora Hipocampo).

O autor escreve para o Primeiro Programa.

Historinha de Lins

Pois é, minha filha vai me dar mais um neto. Estão escolhendo um nome. Ela e o marido, com a indispensável colaboração do único filho, o Henrique, de seis anos.


Sergio Antunes (*) 


Vai chamar Biro-biro. Vai não.
Isso sou eu e meu neto Henrique conversando sobre o nome do irmãozinho que vai nascer.
Então vai ser Mastrucio Creozotado do Amor Divino. Tá loco, vô?
Pois é, minha filha vai me dar mais um neto. Estão escolhendo um nome. Ela e o marido, com a indispensável colaboração do único filho, o Henrique, de seis anos. Como é um varão, quer dizer, como é do sexo masculino, com ou sem varão, vai ter um nome de homem.
Que tal se fosse ... aí vou inventando os nomes mais malucos, só pra chatear o meu neto que, cada dia mais, está convicto de que o menino vai se chamar Felipe. Igual ao nome do goleiro do Corinthians, segundo ele.
Fase boa essa, em que a mãe carrega o filho no ventre, como o canguru, ele vai onde ela vai.  Depois cresce e não adianta insistir.
Mas, voltando ao nome, lembrei de Lins outra vez. Era lá que os três amigos se reuniam toda manhã na Farmácia Popular do seu Viotti, para resolver todos problemas do mundo.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas, garanto, não é mera coincidência. Conheci os três.
Eram o Pretestato, o Flósculo e o Telesphoro, assim mesmo, com peagá.
Conversavam um dia alegremente, como faziam todos os dias, quando entrou na pharmácia, assim mesmo, também com peagá, o José, para comprar um remedinho para a filha recém nascida.
Assim que souberam do recente nascimento, quiseram saber os detalhes, se a criança nasceu gorda, se a mãe passava bem, se mamava no peito, se chorava de noite, enfim, essas coisas que se perguntam sem nenhuma necessidade para alguém que acaba de ter um filho.
Até que o Pretestato, ou teria sido o Flósculo, se lembrou: E o nome da menina? Como ela se chama?
“Maria”, explicou o pai orgulhoso. “Acabei de voltar do cartório de registros”.
Ah, que bom, supimpa, homessa,  cáspite, comentaram os amigos, usando as últimas expressões da época. E concluíram: boa sorte para a pimpolha.
E o pai foi embora, feliz da vida, com o remédio pra gases num bolso e a certidão de nascimento da Maria no outro. Nem bem saiu da farmácia, um amigo, não sei qual dele, Pretestato, Flósculo ou Telésphoro, assim com peagá, virou-se para os outros com um certo ar de desdém e comentou: Uhmmm... Maria...nome de bolacha...

(*) Sergio Antunes (*)
sergioantunes@ig.com.br

Entrevista exclusiva ao site "Algo a dizer".

Por Douglas Naegele e Maria Balé


Poeta, escritor, homem de seu tempo, Sergio Antunes acaba de lançar "Versátil", coletânea de poemas e crônicas que formam um mosaico da rica produção literária desse autor, colaborador e amigo do Algo a Dizer.


Algo a Dizer -
Sergio Antunes, você nasceu em Lins, cidade do interior paulista, e hoje vive na Capital. Fale para nossos leitores um pouco sobre esse período anterior à sua ida para São Paulo - infância, estudos, leituras, amizades, família.
Sergio Antunes -
Nasci em Lins, interior de São Paulo, de mãe professora e pai advogado. Em casa havia uma grande biblioteca e eu gostava de ver as figuras que ilustravam a Divina Comédia, a História Universal de Cesare Cantu e outros livros mais. E me excitava com as mulheres opulentas dos renascentistas cujos quadros ilustravam os livros. Tive, por assim dizer, uma iniciação sexual erudita. Além disso, meu pai era político, assinava a Folha da Manhã (hoje Folha de São Paulo) e discutia assuntos sérios à mesa, ouvindo Chopin. Assim, desenvolvi minha infância num ambiente que possibilitou um certo apuro no gosto estético e uma gama de informações que me situavam no mundo. Na adolescência fui estudar em colégio dos padres salesianos e isto também marcou minha vida de maneira positiva e negativa. Positiva porque se trata de uma educação esmerada e negativa porque enche a gente de culpa. Essa culpa católica, de pecado original, procuro transformar em assunto para meus poemas e crônicas.

Algo a Dizer - Quais são as suas referências literárias, em especial, quais os escritores que o influenciaram?

Sergio Antunes -
Lia muito, desde cedo. Lia gibis, lia jornais e lia até balancetes de banco. Li Monteiro Lobato na infância e Padre Lebret na adolescência. Na faculdade lia muito, às vezes sem entender. É dessa época a minha politização, lendo Michel Quoist, Padre Fernando D'Ávila, Josué de Castro, Celso Furtado. Lia, ainda, Aldous Huxley, Bertrand Russel, Vianna Moog, Erich Fromm, Gilberto Freyre, Keren Horney, leitura variada que ia da Filosofia para a antropologia, passando por psicologia e psicanálise e dos romances, eu li Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Érico Veríssimo e Carlos Heitor Cony. Na crônica adorava Ruben Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos e, na poesia, os russos e Drummond, Cassiano Ricardo, Manoel Bandeira e Vinicius.

Algo a Dizer - Sabemos que muitos escritores tiveram sua infância em lugares que não são os mesmos em que vivem e desenvolvem o seu processo criativo. Conte-nos um pouco sobre as razões da sua saída da sua terra natal e qual a importância que têm os anos que foram vividos em Lins para a sua obra.

Sergio Antunes -
Lins é mais que um retrato na parede. É um estado de espírito, com o gosto das coisas simples do interior. Acabei tendo que me mudar para São Paulo, com 33 anos, por questões profissionais, onde fiz carreira como Procurador. Cidadão paulistano, procurei esconder minhas origens caipiras. Mas, como tosse, foi impossível esconder por muito tempo o fato de que vivi no interior e o interior vive em mim.

Algo a Dizer - Como foi que você se descobriu poeta e escritor, e qual foi a sua estréia na literatura?

Sergio Antunes -
Eu me descobri escritor nos sonhos que tinha na adolescência de mudar o mundo e de deixar minha marca nele. No Colégio Salesiano tinha um professor de Português, Padre Pedro Cometti, que obrigava os alunos a decorar poesia sempre que merecessem castigo. Eu vivia no meio dos alunos bagunceiros e isto me fez decorar Vozes d'Africa e Navio Negreiro, de Castro Alves, Episódio do Adamastor, dos Lusíadas de Camões, sonetos de Bocage e tantas outras coisas que nem sabia o que significavam, mas que achava bonito. "Ao crebo som do lúgubre instrumento com tardo pé caminha o delinqüente", são os dois primeiros versos de um poema de Bocage. Decorado sem ter a menor idéia do que significava crebo som ou tardo pé.

Mais tarde, já formado, mas ainda morando em Lins, publiquei um livrinho caseiro, "24 Poemas Diversos e Um Poeminha de Amor", reunindo coisas de adolescente. Já perto dos trinta anos, aí sim, publiquei "A Casa da Infância", pela Massao Ohno, lançado no Pirandello, onde mais tarde foi lançada a campanhas das "Diretas Já". O Mario Prata mandou meus originais para o Massao e eu aguardei na maior expectativa a resposta. Massao, para mim, que ainda morava em Lins, era um mito. Depois eu descobri que o mito era paciente do meu irmão, que era dentista. Mito com dor de dente. Publicado o livro, daí em diante eu olhava as pessoas do Pirandello, algumas meio famosas, outras absolutamente anônimas, e pensava estar já na turma dos meio famosos. Como descobri cedo, continuei anônimo.

Publiquei, também, "Era um Dia Assim" (Massao Ohno), "O Relógio da Sala" (Salesiana), "Primeira Vez" (Massao Ohno) e participei do livro "O Mito da Infância Feliz" (Summus), organizado por Fanny Abramovich.

Algo a Dizer - A militância na política é tema recorrente na sua poesia. Para você, qual o papel da literatura na realidade dos dias atuais? Na sua opinião, a literatura ainda tem a força de questionamento, como nos seus tempos de universidade?

Sergio Antunes -
A literatura não muda o mundo. Eu estava enganado. Apenas registra as mudanças. Mas muda as pessoas e estas podem mudar o mundo. Porém, há que se considerar que o mesmo trecho do livro que manda amar o próximo, pode ser lido como ordem para odiar o inimigo. Vejam a Biblia e o Corão. Então, a força da literatura não está em quem a faz. Está em que a lê.

Mas eu escrevo para o chefe e o office boy. Quero que cada um entenda do seu modo. Mas entenda. Escrevo para a Madame e para a empregada doméstica, escrevo para o general e para o soldado. Lancei livro em loja de móveis para dar de brinde para quem comprasse um guarda-roupa e lancei livro em pueiro, onde cantava. Lancei em biblioteca pública e lancei em barzinho de esquina. Não faço disso um apostolado. Mas acho que a literatura tem que servir a todos.

De qualquer forma, não faço literatura engajada. Escrevo para divertir. A mim e ao leitor. Divertir e emocionar, se puder.

Algo a Dizer - Mario Prata no prefácio do seu livro "Versátil" afirma não ser ousadia, dizer que depois de Sergio Antunes não nasceu mais nenhum poeta. Depois de uma declaração com esta monta, como você vê a nova poesia brasileira? Há algo de novo e com qualidade nos novos poetas?

Sergio Antunes -
Primeiro, Mario Prata é um amigo generoso e os amigos costumam exagerar. Acho que ele não conhece outro poeta porque poesia, como arte, não tem mais divulgação. Antigamente, qualquer jornalzinho do interior tinha um certo Cantinho da Saudade, onde os poetas locais praticavam seus versos. A grande imprensa divulgava poemas e era comum que os poetas fossem festejados e noticiados. Hoje, para um poeta aparecer na mídia, tem que se matar, o que, convenhamos, nem sempre vale a pena. Eu diria que os poetas, assim como os mico-leão são animais em extinção.

Algo a Dizer - Na sua crônica "Desculpe, foi engano", você deixa claro sua aversão em lidar com máquinas, inclusive com "máquinas humanas". Nesse mundo "interligado", "conectado", onde tudo gira em torno do computador, da internet, como é que você consegue lidar com o mundo, como você mesmo afirma, onde as "máquinas venceram"?

Sergio Antunes -
"Na vida de camaleão, às vezes eu sou São Jorge, às vezes eu sou dragão". Ou seja, há que se adaptar. Depois, minha bronca não é com as máquinas mas com os seus operadores, os call centers da vida. Mas é interessante notar que as máquinas hoje fazem quase tudo. São capazes de compor uma sinfonia, pintar um quadro, resolver uma equação para mandar o homem à lua. Mas não conheço computador que seja capaz de compor um poema.

Algo a Dizer - A internet como meio de propagação da arte, principalmente da poesia e da literatura como um todo, substitui os livros impressos? Ou você a vê apenas como um reforço na divulgação e não um substituto à altura?
Sergio Antunes - Por enquanto é, apenas, mais um meio de divulgação. Embora eu e minha geração tenhamos prazer em manusear um livro, cheirar o cheiro do papel e da tinta, rabiscá-lo e deixá-lo na cabeceira, como um amuleto ou uma muleta, não importa, acho que isto é cultural. O futuro, com suas preocupações ambientais, nos reserva inexoravelmente livros virtuais, bibliotecas inteiras num palm top. A piada do português com um mouse atrás da orelha, em vez de lápis, é mais que uma piada de gosto duvidoso. É um vaticínio.

Algo a Dizer - Em sua opinião, tendo em vista seu engajamento político da mocidade, a juventude de hoje que age com desinteresse diante das grandes questões que se apresentam na política nacional, é o resultado da despolitização da sociedade, ou é apenas o reflexo do desencantamento com o que lê, ouve e assiste na televisão? Como você analisa nossos futuros magistrados, professores, cientistas e intelectuais diante desta falta de participação política?

Sergio Antunes -
Nossa geração, aos trancos e barrancos, mudou o mundo para melhor. Encontramos uma sociedade rígida, moralista, estratificada e abrimos as portas para uma sociedade plural, liberal, com consciência social e preocupações ambientais. E a geração que nos procede, com a liberdade que conseguimos, tem usado esta liberdade apenas para zoar, como eles gostam de dizer. Como se estivesse, esta geração, tomando um porre de liberdade. Mas zoar também cansa e, acredito, uma hora a mocidade vai se dar conta de que a vida não se limita à azaração.

Algo a Dizer - Uma mensagem para aqueles que quiserem seguir seus passos, como poeta e escritor...

Sergio Antunes -
Não sei se devo convidar a quem quer que seja a seguir meus passos. Mas se alguém quer ser escritor, não um escritor como eu, um escritor muito melhor, comece o ofício aprendendo a ler. E se poeta for, que vá aprender a tocar violão. Fazer letra de música é muito mais divertido do que fazer poesia. E, com sorte, dá pra ganhar uma graninha.