Por Douglas Naegele e Maria Balé
Poeta, escritor, homem de seu tempo, Sergio Antunes acaba de lançar "Versátil", coletânea de poemas e crônicas que formam um mosaico da rica produção literária desse autor, colaborador e amigo do Algo a Dizer.
Algo a Dizer - Sergio Antunes, você nasceu em Lins, cidade do interior paulista, e hoje vive na Capital. Fale para nossos leitores um pouco sobre esse período anterior à sua ida para São Paulo - infância, estudos, leituras, amizades, família.
Sergio Antunes - Nasci em Lins, interior de São Paulo, de mãe professora e pai advogado. Em casa havia uma grande biblioteca e eu gostava de ver as figuras que ilustravam a Divina Comédia, a História Universal de Cesare Cantu e outros livros mais. E me excitava com as mulheres opulentas dos renascentistas cujos quadros ilustravam os livros. Tive, por assim dizer, uma iniciação sexual erudita. Além disso, meu pai era político, assinava a Folha da Manhã (hoje Folha de São Paulo) e discutia assuntos sérios à mesa, ouvindo Chopin. Assim, desenvolvi minha infância num ambiente que possibilitou um certo apuro no gosto estético e uma gama de informações que me situavam no mundo. Na adolescência fui estudar em colégio dos padres salesianos e isto também marcou minha vida de maneira positiva e negativa. Positiva porque se trata de uma educação esmerada e negativa porque enche a gente de culpa. Essa culpa católica, de pecado original, procuro transformar em assunto para meus poemas e crônicas.
Algo a Dizer - Quais são as suas referências literárias, em especial, quais os escritores que o influenciaram?
Sergio Antunes - Lia muito, desde cedo. Lia gibis, lia jornais e lia até balancetes de banco. Li Monteiro Lobato na infância e Padre Lebret na adolescência. Na faculdade lia muito, às vezes sem entender. É dessa época a minha politização, lendo Michel Quoist, Padre Fernando D'Ávila, Josué de Castro, Celso Furtado. Lia, ainda, Aldous Huxley, Bertrand Russel, Vianna Moog, Erich Fromm, Gilberto Freyre, Keren Horney, leitura variada que ia da Filosofia para a antropologia, passando por psicologia e psicanálise e dos romances, eu li Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Érico Veríssimo e Carlos Heitor Cony. Na crônica adorava Ruben Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos e, na poesia, os russos e Drummond, Cassiano Ricardo, Manoel Bandeira e Vinicius.
Algo a Dizer - Sabemos que muitos escritores tiveram sua infância em lugares que não são os mesmos em que vivem e desenvolvem o seu processo criativo. Conte-nos um pouco sobre as razões da sua saída da sua terra natal e qual a importância que têm os anos que foram vividos em Lins para a sua obra.
Sergio Antunes - Lins é mais que um retrato na parede. É um estado de espírito, com o gosto das coisas simples do interior. Acabei tendo que me mudar para São Paulo, com 33 anos, por questões profissionais, onde fiz carreira como Procurador. Cidadão paulistano, procurei esconder minhas origens caipiras. Mas, como tosse, foi impossível esconder por muito tempo o fato de que vivi no interior e o interior vive em mim.
Algo a Dizer - Como foi que você se descobriu poeta e escritor, e qual foi a sua estréia na literatura?
Sergio Antunes - Eu me descobri escritor nos sonhos que tinha na adolescência de mudar o mundo e de deixar minha marca nele. No Colégio Salesiano tinha um professor de Português, Padre Pedro Cometti, que obrigava os alunos a decorar poesia sempre que merecessem castigo. Eu vivia no meio dos alunos bagunceiros e isto me fez decorar Vozes d'Africa e Navio Negreiro, de Castro Alves, Episódio do Adamastor, dos Lusíadas de Camões, sonetos de Bocage e tantas outras coisas que nem sabia o que significavam, mas que achava bonito. "Ao crebo som do lúgubre instrumento com tardo pé caminha o delinqüente", são os dois primeiros versos de um poema de Bocage. Decorado sem ter a menor idéia do que significava crebo som ou tardo pé.
Mais tarde, já formado, mas ainda morando em Lins, publiquei um livrinho caseiro, "24 Poemas Diversos e Um Poeminha de Amor", reunindo coisas de adolescente. Já perto dos trinta anos, aí sim, publiquei "A Casa da Infância", pela Massao Ohno, lançado no Pirandello, onde mais tarde foi lançada a campanhas das "Diretas Já". O Mario Prata mandou meus originais para o Massao e eu aguardei na maior expectativa a resposta. Massao, para mim, que ainda morava em Lins, era um mito. Depois eu descobri que o mito era paciente do meu irmão, que era dentista. Mito com dor de dente. Publicado o livro, daí em diante eu olhava as pessoas do Pirandello, algumas meio famosas, outras absolutamente anônimas, e pensava estar já na turma dos meio famosos. Como descobri cedo, continuei anônimo.
Publiquei, também, "Era um Dia Assim" (Massao Ohno), "O Relógio da Sala" (Salesiana), "Primeira Vez" (Massao Ohno) e participei do livro "O Mito da Infância Feliz" (Summus), organizado por Fanny Abramovich.
Algo a Dizer - A militância na política é tema recorrente na sua poesia. Para você, qual o papel da literatura na realidade dos dias atuais? Na sua opinião, a literatura ainda tem a força de questionamento, como nos seus tempos de universidade?
Sergio Antunes - A literatura não muda o mundo. Eu estava enganado. Apenas registra as mudanças. Mas muda as pessoas e estas podem mudar o mundo. Porém, há que se considerar que o mesmo trecho do livro que manda amar o próximo, pode ser lido como ordem para odiar o inimigo. Vejam a Biblia e o Corão. Então, a força da literatura não está em quem a faz. Está em que a lê.
Mas eu escrevo para o chefe e o office boy. Quero que cada um entenda do seu modo. Mas entenda. Escrevo para a Madame e para a empregada doméstica, escrevo para o general e para o soldado. Lancei livro em loja de móveis para dar de brinde para quem comprasse um guarda-roupa e lancei livro em pueiro, onde cantava. Lancei em biblioteca pública e lancei em barzinho de esquina. Não faço disso um apostolado. Mas acho que a literatura tem que servir a todos.
De qualquer forma, não faço literatura engajada. Escrevo para divertir. A mim e ao leitor. Divertir e emocionar, se puder.
Algo a Dizer - Mario Prata no prefácio do seu livro "Versátil" afirma não ser ousadia, dizer que depois de Sergio Antunes não nasceu mais nenhum poeta. Depois de uma declaração com esta monta, como você vê a nova poesia brasileira? Há algo de novo e com qualidade nos novos poetas?
Sergio Antunes - Primeiro, Mario Prata é um amigo generoso e os amigos costumam exagerar. Acho que ele não conhece outro poeta porque poesia, como arte, não tem mais divulgação. Antigamente, qualquer jornalzinho do interior tinha um certo Cantinho da Saudade, onde os poetas locais praticavam seus versos. A grande imprensa divulgava poemas e era comum que os poetas fossem festejados e noticiados. Hoje, para um poeta aparecer na mídia, tem que se matar, o que, convenhamos, nem sempre vale a pena. Eu diria que os poetas, assim como os mico-leão são animais em extinção.
Algo a Dizer - Na sua crônica "Desculpe, foi engano", você deixa claro sua aversão em lidar com máquinas, inclusive com "máquinas humanas". Nesse mundo "interligado", "conectado", onde tudo gira em torno do computador, da internet, como é que você consegue lidar com o mundo, como você mesmo afirma, onde as "máquinas venceram"?
Sergio Antunes - "Na vida de camaleão, às vezes eu sou São Jorge, às vezes eu sou dragão". Ou seja, há que se adaptar. Depois, minha bronca não é com as máquinas mas com os seus operadores, os call centers da vida. Mas é interessante notar que as máquinas hoje fazem quase tudo. São capazes de compor uma sinfonia, pintar um quadro, resolver uma equação para mandar o homem à lua. Mas não conheço computador que seja capaz de compor um poema.
Algo a Dizer - A internet como meio de propagação da arte, principalmente da poesia e da literatura como um todo, substitui os livros impressos? Ou você a vê apenas como um reforço na divulgação e não um substituto à altura?
Sergio Antunes - Por enquanto é, apenas, mais um meio de divulgação. Embora eu e minha geração tenhamos prazer em manusear um livro, cheirar o cheiro do papel e da tinta, rabiscá-lo e deixá-lo na cabeceira, como um amuleto ou uma muleta, não importa, acho que isto é cultural. O futuro, com suas preocupações ambientais, nos reserva inexoravelmente livros virtuais, bibliotecas inteiras num palm top. A piada do português com um mouse atrás da orelha, em vez de lápis, é mais que uma piada de gosto duvidoso. É um vaticínio.
Algo a Dizer - Em sua opinião, tendo em vista seu engajamento político da mocidade, a juventude de hoje que age com desinteresse diante das grandes questões que se apresentam na política nacional, é o resultado da despolitização da sociedade, ou é apenas o reflexo do desencantamento com o que lê, ouve e assiste na televisão? Como você analisa nossos futuros magistrados, professores, cientistas e intelectuais diante desta falta de participação política?
Sergio Antunes - Nossa geração, aos trancos e barrancos, mudou o mundo para melhor. Encontramos uma sociedade rígida, moralista, estratificada e abrimos as portas para uma sociedade plural, liberal, com consciência social e preocupações ambientais. E a geração que nos procede, com a liberdade que conseguimos, tem usado esta liberdade apenas para zoar, como eles gostam de dizer. Como se estivesse, esta geração, tomando um porre de liberdade. Mas zoar também cansa e, acredito, uma hora a mocidade vai se dar conta de que a vida não se limita à azaração.
Algo a Dizer - Uma mensagem para aqueles que quiserem seguir seus passos, como poeta e escritor...
Sergio Antunes - Não sei se devo convidar a quem quer que seja a seguir meus passos. Mas se alguém quer ser escritor, não um escritor como eu, um escritor muito melhor, comece o ofício aprendendo a ler. E se poeta for, que vá aprender a tocar violão. Fazer letra de música é muito mais divertido do que fazer poesia. E, com sorte, dá pra ganhar uma graninha.